Feriadão de Páscoa, com três dias disponíveis, mochilas prontas, 45 chapeletas disponíveis, previsão de tempo bom em nosso destino (Petrópolis), ótimo local para ficar... O que poderia dar errado?
O feriado de páscoa de 2019 prometia ser incrível! Além dos três dias que teríamos, por conta da sexta feira santa, a terça subsequente também seria feriado e, coincidentemente, aniversário da Laura.
Há tempos, estava devendo uma visita ao Arthur Estevez, para conhecer o seu abrigo de montanha, o Abrigo Cumes, em Corrêas, Petrópolis. Além de ser uma localidade bem próxima ao Rio de Janeiro, possui toda infra estrutura a menos de 5 minutos de carro (mercados, bares, restaurantes etc) e fica cercado por inúmeras montanhas, aos pés do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, muitas delas, com paredes belíssimas ainda carentes de novas vias de escalada.
Quinta feira à noite, eu, Laura e meu filho João Pedro já estávamos com todas as mochilas devidamente preparadas, ansiosos por mais um feriadão de aventuras! Fui dormir sonhando com as 45 chapeletas disponíveis, prontas para serem carinhosamente abandonadas...
Sexta amanheceu com o céu limpo e temperatura agradável. Não tivemos pressa para sair, pois o dia seria destinado a visita em museus e pontos turísticos de Petrópolis, como a Casa de Santos Dumont, o Palácio de Cristal e o Museu Imperial. Apesar do trânsito relativamente intenso, não nos deparamos com engarrafamentos tradicionais aos feriados. Tudo fluía maravilhosamente bem, até chegarmos ao quilômetro 98 da Rodovia BR 040 (Washington Luiz), a exatos 4 quilômetros após o pedágio. Subitamente, o volante do carro travou e as luzes de superaquecimento foram acesas. Para nossa sorte, apesar do trecho sinuoso e estreito, estávamos ao lado de um recuo na estrada. Paramos imediatamente!
Neste recuo, há uma pequena área de venda com um barzinho chamado Açaí Bombado, bem como alguns tapetes. Para nossa grata surpresa, fomos extremamente bem recebidos e o dono do bar, o Luiz Cabeludo, foi bastante solícito, oferecendo todo o tipo de ajuda. Depois das horas que passamos lá, posso dizer que ganhamos um amigo!
Resumindo bastante a história: Chamamos apoio do pedágio. O diagnóstico foi de correia do alternador avariada. Chamamos reboque do seguro. Descemos de táxi e chegamos em casa já ao anoitecer. Feriado perdido. Sábado começou cedo: às 6:30h da manhã, na busca de alguma oficina. Oficina encontrada. Faltava achar a peça. Depois de muita busca, encontramos a correia. Voltamos na oficina. Detectado mais um problema: o esticador da correia. Mais uma volta pelo Rio de Janeiro até achar em Botafogo um local onde comprá-la. Ufa! Finalmente, muitas horas e reais depois (muitos, mas muitos reais!), por volta das 15h, o carro foi liberado. Sensação de derrota e depressão, por perder um ótimo feriado e por ter um pré aniversário da Laura, no mínimo, desastroso.
Não nos demos por vencidos! Botamos todas as mochilas de volta no carro e por volta das 17h, lá fomos nós pegar a estrada. A parte boa foi que não havia o mínimo resquício de trânsito. Na subida da serra, parada obrigatória para falar como nosso novo amigo, o Luiz Cabeludo. Depois de uma breve parada, continuamos viagem e em pouquíssimo tempo, já estávamos na entrada do Abrigo Cumes. Neste ponto, mais uma senhora coincidência: Arthurzinho chegou ao mesmo tempo que a gente, quase dividindo a curva ao entrar na estrada de chão! Se tivéssemos combinado, não seria tão pontual!
Não posso deixar de falar sobre o abrigo em si. o local fica a menos de 5 minutos do centro de Corrêas, mas fica em uma área completamente isolada, no meio do mato, rodeado de belíssimas montanhas. A infraestrutura é ótima, com banheiro, área comum com fogão, geladeira, pia, utensílios de cozinha etc. Isso sem contar com o carisma do Arthurzinho e sua esposa Roberta. Confesso que virei freguês! Ele que se prepare para me aturar por lá várias vezes!
Em pouco tempo, armamos nossa barraca, preparamos uma janta improvisada e gastamos algumas horas prosando e tomando cerveja, até a hora de dormir. A noite foi calma e com uma temperatura super agradável. Ótimo para relaxar e acordar revigorado, por volta das 7h da manhã de domingo, praticamente nosso primeiro e último dia por lá.
A montanha escolhida foi o Morro da Reunião, onde já existem alguns setores já explorados. Entretanto, Arthurzinho nos presenteou com uma face ainda carente de vias, mas com linhas impressionantes. Além da carona até a base da montanha, ele nos acompanhou (e praticamente abriu trilha) até a base da parede. Verdade seja dita: a vegetação é bem "amiga", passando por um belíssimo bosque de pinheiros, o que nos economizou uma energia importante. O acesso levou menos de 15 minutos, desde o carro até a base.
Arthur e Roberta foram escalar em outro setor da montanha e nos deixou à vontade para tocar a conquista. Escolhi uma linha que nitidamente iniciaria bem simples, mas que apresentava uma imponente barriga logo acima. De todo modo, esta face quase inteira é cortada por esta barriga, de modo que em qualquer linha escolhida, ela deveria ser enfrentada. Por isso, selecionei um ponto em que havia um minúsculo veio de cristais, onde imaginei ser o ponto de menor resistência.
De fato, os 45 metros iniciais foram um passeio. Conquistei usando apenas uma proteção já aos 30 metros de altura (no rapel, após a conquista, intermediei o lance), e em menos de 5 minutos, já estava em um ótimo platô, com sombra, inclusive, onde estabeleci a P1.
Deste ponto em diante, como previsto, a parede ganha verticalidade e a "brincadeira" muda de figura. Iniciei em alguns lances delicados, de 5° grau, evoluindo para a tal barriga sinistra. Ensaiei algumas passadas, mas com calor, peso na cintura e cansaço dos dias anteriores, resolvi artificializar um pouco e fui vencendo os lances meio em livre, meio em artificial. Três chapeletas depois, a barriga já era passado e a linha continuou por um óbvio veio de cristais. A segunda enfiada, a mais forte da via, totalizou 50 metros, com a P2 estabelecida em mais um ótimo platô.
A terceira enfiada continua constante, inicialmente no veio de cristais e depois, em aderência. Lances de 4° e 4°sup em sequência, tornam esta enfiada muito interessante. Tão interessante que acabei me empolgando e esticando 60 metros exatos, para colocar a terceira parada dupla. Desta vez, o platô não era tão incrível, mas um grande buraco na altura dos pés tornava a parada bem agradável.
Apesar de terem um pouco de dificuldade no lance da barriga (pois eu não havia levado estribos), Laura e João subiam com uma tranquilidade ímpar. O dia estava bem quente e o sol incomodava bastante, principalmente pelo tempo que ficamos na parede. Mas ambos continuavam sorridentes e certos de que finalizaríamos a via juntos.
Dito e feito: uma enfiada a mais, de 45 metros, levou-nos ao limite da rocha com a vegetação de cume. Esta última parte foi bem tranquila, com lances de no máximo 3° grau. Laura e João rapidamente se juntaram a mim na P4, onde novamente encontramos um ótimo platô.
O rapel foi feito bem rápido, já que estávamos com corda dupla. Aproveitei para intermediar alguns lances que haviam ficado longos, tornando a via um E2 (com alguns lances em E3, mas no máximo de 2° grau).
Na descida, pude ver o Arthurzinho vibrando ao tentar passar pelo lance do crux em livre! Ele já havia finalizado sua escalada com a Roberta e voltara para ver o que havíamos feito. No final, o lance quase saiu, mas a cadena completa veio apenas no dia seguinte, quando ambos voltaram à via para realizar este feito.
Decidimos apelidar a via em menção às tantas peças e nomes que tivemos que ouvir, ao consertar o carro. A cada novidade, eu pensava: "Lá vem mais uma rebimboca da parafuseta para comprarmos e trocarmos!". Já a graduação, ficou em 4° V (VIIb/A1) E2/E3 D1 - 200m. Via espetacular, em um local incrível, com pessoas maravilhosas. No final das contas, até que o feriadão não foi de todo ruim, né? ;-)