Via incrível na Face Norte do Perdido do Andaraí, Grajaú.
Em resumo, sábado dia 04/05/2013, finalizei um projeto na Face Norte do Perdido do Andaraí (Grajaú), após três investidas, surgindo assim o “Pr. O Som do Silêncio” (4° VI E2 D2 – 310m), conquistando em solitário em todas as investidas.
Mas se o resumo não foi suficiente, e tiverem tempo (e saco), segue o relato “completão” (não digam que não avisei! Rs...).
Dia 20/04/2013 à tarde, fui ao Grajaú fazer a troca de dois grampos de inox existentes em outra conquista minha por lá. Antes de entrar no parque, encontrei o Julio Mello, que havia feito um reconhecimento por uma linha que já namorávamos há algum tempo, constatando já existir via no local. Foi meio que um banho de água fria... Então, ao subir a trilha, resolvi mudar o curso do meu objetivo e fui verificar outras possíveis linhas, contornando a parede desde o início da mesma. Como o horário já estava bem avançado (pouco depois das 17h), achei que seria uma atividade bacana.
Pouco tempo depois, passando cerca de 80 metros da base da linha que o Julio seguiu, tive uma grata surpresa, ao achar uma pequena canaleta que evoluía para impressionantes buracos mais acima. De pronto, resolvi averiguar a possibilidade de uma nova via no local. Neste momento, já passava das 17:30h e a luz do dia já estava no final. Por isso, subi bem leve, apenas com poucos grampos, marreta e furadeira, deixando todo o resto na base, inclusive a lanterna...
Lances muito, mas muito gostosos seguindo uma sequencia inicial de agarras, num 4° grau constante, até chegar nos primeiros buracos. E que buracos! São enormes! A cada buraco, um novo lance mais complexo, que logo em seguida ficava fácil. E assim foi até a luz do dia se extinguir, exatamente às 18h. 50 metros e 6 grampos depois de começar a brincadeira, estava na hora de descer. Foi então que veio um som: “tim... tim... tum!”. Era meu reverso (material para rapel) que havia caído da minha mão, sumindo no vazio da escuridão. Bom, hora de ficar calmo e curtir a noite improvisando um “magnone” (material antigo de rapel) com três mosquetões, para os dois rapeis (estava com uma corda de 50 metros).
Na base, apesar de já contar com a lanterna, nem pensei em procurar o reverso, pois nessa hora, eu só pensava na cervejinha gelada! Rs...
A segunda investida foi logo depois, no dia 23/04. Cheguei à base umas 9:30h da manhã, apoiei a mochila em umas pedras e fui procurar o reverso, gastando precisos 40 minutos nesta brincadeira, sem sucesso. Coloquei então meu material e me preparei para subir. Ao tirar a mochila do chão, adivinhem quem estava embaixo da mesma? Pois é... coloquei a mochila sobre o bendito reverso, que havia caído exatamente na base e que ali ficou estático nestes três dias!
Conquistas em solitário possuem alguns fatores que tornam a escalada mais gratificante. O desafio é maior. A ralação é maior. A superação é maior. E tudo conspira para o desgaste, seja físico como psicológico. Quando os lances são mais fáceis, arrisca-se um pequeno “solo”. Quando os lances são mais complexos, sobe-se em auto-segurança. E como dá trabalho! Puxa a corda, monta a auto segurança, sobe um pouco, passa a costura, libera mais corda, torna a subir, libera mais corda, passa costura... ih! Acabou a corda! Bate grampo, fixa a corda, rapela, pega a mochila que ficou láááá embaixo, sobe de prussik com todo o peso (cerca de 15 a 20Kg de grampos, brocas, marreta, água, material extra, etc), volta ao ponto que parou e repete tudo de novo. Isso a cada 25 metros (volto a lembrar que minha corda era de 50m).
E um fator que tornou a conquista mais desgastante, foi o fato de eu não ter “encordado” a parede. Ou seja, durante as investidas, não deixei cordas fixas para subir “prussicando” nas próximas investidas. Desse modo, tudo que ia sendo conquistado, deveria ser escalado no próximo retorno. Ufa!
Mas a segunda investida foi bem produtiva e somei mais 125 metros aos 50 já conquistados, batendo mais 19 grampos e passando inclusive pelo que viria a ser o crux da via. Uma sequência impressionante de buracos levemente negativos, na segunda enfiada, na casa do 6° grau. Alucinante mesmo!
Duas semanas depois, dia 04/05/2013 retornei à parede. Desta vez bem pesado, com material, água e biscoitos suficientes para me manter na parede até fechar o projeto. O fato de ter chegado à base por volta das 8:30h da manhã também ajudou, pois o dia foi quente que nem o inferno!
A subida dos 175 metros já conquistados até que não foi tão demorada. Às 10:00h eu já estava no último grampo batido, me preparando para subir conquistando. Lances fáceis. Um pouco sujos, destoando do resto da via, que estava bem limpa. Em pouco tempo, encontro um grampo (mais parecido com um vergalhão), beeeeem antigo, cruzando a minha linha na horizontal. Não soube identificar do que se tratava, mas parecia algo vindo de um dos platôs de mato da via “Edmundo Braga”. Neste ponto, minha via já passava dos 210 metros e pude reparar que esta via enigmática seguia uma sequência de platôs sempre em horizontal para a esquerda. Continuei tocando para cima, em linha reta e precisei encarar algumas barrigas estranhas... Numa delas, tentei o lance mais de 30 minutos. Foi trash! Bati um grampo abaixo de uma barriga meio lisa, mas com uma agarra muito bem definida.
Tentei, tentei e tentei... sem sucesso. Resolvi voltar um pouco e contornar pela direita. Com o cansaço e o sol, este lance demorou a sair, mas acabei conseguindo. Estiquei a corda, bati um grampo e desci para intermediar (colocar grampos no meio do lance, para que o mesmo não ficasse tão exposto). No final das contas, este nem foi o crux da via (acho que este lance deve estar um 5°sup), mas a leitura errada no início me custou uma boa quantidade de suor!
Depois deste lance, a via segue ao último platô de mato da via “Edmundo Braga” e segue em horizontal pelo mesmo até sua extrema esquerda. Pensei em fechar a via seguindo pela “Edmundo” até o cume, mas no lance final, descobri uma sequência de cristais muito interessante resolvi arriscar. E valeu o esforço: o final da via segue por mais quatro grampos numa belíssima sequência de 5° grau, até juntar novamente com a Edmundo Braga em seu “zigue-zague” final, para fazer cume 20 metros depois.
A descida ainda foi cansativa, pois rapelei os 310 metros com uma corda única de 50m, duplicando as paradas e recolhendo parte do material que foi ficando para trás.
Na base, já bem esgotado, foi incrível olhar para cima e ver que o desafio havia sido vencido! Sei que um dos grandes baratos do montanhismo é o companheirismo, a amizade e a solidariedade entre os participantes. Mas fazer uma via em solitário permite um auto-conhecimento indescritível. Toda a ralação e superação remetem a uma paz de espírito sem igual!
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