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Foto do escritorPedro Bugim

Conquistas em Arenales (Argentina) e Cancha Pelada (Chile)

Atualizado: 21 de mar. de 2019

Com férias de 20 dias, para agosto de 2018, eu e Laura decidimos nos aventurar pelas regiões montanhosas no entorno de Mendoza, Argentina, mesmo sabendo que enfrentaríamos as mazelas do inverno. Em geral, os montanhistas procuram esta área dentro da alta temporada, entre os meses de novembro e março, durante o verão.

Pedro Bugim na conquista da via "Caracoles" (4º V E4 D2 - 350m - Mista), em Cancha Pelada, Chile
Pedro Bugim na conquista da via "Caracoles" (4° V E4 D3 – 350m – Mista – Neve / Gelo de até 70°), em Cancha Pelada, Chile

Mendoza é uma região de contrafortes e altas planícies, no lado leste dos Andes, conhecida pelos vinhos altamente cotados, bonitas (e abundantes) praças e paisagem estonteante para as montanhas mais altas dos hemisférios ocidental e sul (como o Aconcágua, por exemplo, com 6.962m de altitude). Durante o verão, a cidade é tão quente quanto o Rio de Janeiro, porém, seu clima seco mantém a atmosfera mais agradável e “suportável”, assim como as montanhas apresentam menor alteração climática e menor incidência de neve e gelo, facilitando as ascensões.


Já no inverno, a cidade beira as temperaturas negativas, os serviços de transporte e hospedagem são drasticamente reduzidos e as montanhas tornam-se quase que inacessíveis. Para se ter uma ideia, até o Parque Provincial do Aconcágua, com as montanhas mais imponentes do país, é sumariamente fechado e vedado a visitantes e montanhistas. Esse foi o cenário que encontramos por lá.


Na primeira semana de viagem, optamos por tentar alguns cumes com mais de 5 mil metros de altitude, na região conhecida como Cordón Del Plata. Nesta etapa, nos deparamos com todos os tipos de problema imagináveis, desde o sofrimento para transportar os 80 quilos de equipamentos e mantimentos, falta de transportes, inexistência de apoio nos refúgios, a falta de água nos acampamentos avançados (pois tudo estava congelado), até a necessidade de enfrentarmos tormentas furiosas a quase 4 mil metros de altitude e passarmos noites em claro torcendo para a barraca não se desmantelar. No final, conseguimos subir o Lomas Blancas (3.850m) e o Portezuelo Blanco (5.000m), mas com sensação de derrota, pois o resultado foi muito aquém do esperado. (Um relato completo sobre esta primeira semana pode ser lido aqui).

Área do acampamento Piedra Grande (3.600m), em Cordón del Plata, sob neve intensa, durante o inverno
Área do acampamento Piedra Grande (3.600m), em Cordón del Plata, sob neve intensa, durante o inverno

Retornamos à Mendoza às duras penas, atribuindo uma grande parcela do insucesso ao fato de termos utilizado transportes alternativos (transportes privados e ônibus), o que limitava o equipamento carregado (por exemplo, tivemos falta de gás para derreter neve, pois pensávamos haver água líquida nos acampamentos, tal qual nas outras duas vezes que já estive por lá durante o verão), gerava gastos absurdos e ainda nos fazia perder tempo e energia em excesso. Com isso, tomamos a decisão mais acertada de toda a viagem: alugaríamos um carro!


O aluguel foi feito no dia 24 de agosto pela manhã. Sem perder tempo, “atochamos” todo equipamento no bagageiro e rumamos em direção à Arenales, uma famosa região de escaladas à sudoeste de Mendoza, com um trajeto de 140Km, feitos em pouco mais de duas horas.

Nosso acampamento em Arenales, no limite onde o carro chegou. Luxo!
Nosso acampamento em Arenales, no limite onde o carro chegou. Luxo!

Arenales é simplesmente um dos lugares mais incríveis para se praticar escalada tradicional (vias longas e em proteção móvel) que já conheci! Tive a oportunidade de passar quase duas semanas por lá no verão de 2010, fazendo dezenas das vias clássicas da região, subindo aos cumes mais icônicos e, inclusive, conquistando 5 lindas vias. Desta vez, a proposta seria nos concentrarmos exclusivamente na conquista de novas linhas.


Mas assim que chegamos lá, tivemos a primeira surpresa negativa: Uma forte camada de gelo cobria a estrada que leva à entrada da trilha para a área de camping, o que impedia a passagem de carro. Isso significava horas de caminhada a mais, com um peso absurdo, o que nos fez desistir de investir na parte alta do local, onde eu já havia mapeado algumas linhas virgens.


Montamos acampamento próximo ao Refúgio Alferez Portinari, uma instalação militar que controla o trânsito de veículos e pessoas neste local, por possuir acesso à fronteira com o Chile. Nesta região existem incontáveis paredes, todas com uma boa quantidade de vias, mas ainda com um enorme potencial para novas linhas. Por estarmos já a 2.500m de altitude (além da época), a noite foi bem gelada, porém nada que nossos novos sacos de dormir para -40° centígrados não suportassem.

Laura indo em direção à Muralha Del Refugio. Parece perto... mas a caminhada à base leva mais de uma hora!
Laura indo em direção à Muralha Del Refugio. Parece perto... mas a caminhada à base leva mais de uma hora!

O dia 25 amanheceu frio, porém, com um céu espetacularmente azul e sem vento. Fizemos um café da manhã reforçado, organizamos nossas mochilas e partimos para as montanhas. O alvo selecionado fora a “Muralha del Refugio”, uma impressionante parede que se eleva na face sul do vale. A caminhada até as bases das vias de Arenales são bem conhecidas por sua distância e complexidade, pois na maioria das vezes não há muita marcação e o terreno é completamente instável. Mesmo sendo a Muralha del Refugio uma das opções mais próximas, esta constante não se altera. Levamos cerca de uma hora até finalmente encostarmos na parede, exaustos, embora visivelmente pareça tão próximo.


Rapidamente, visualizei uma linha ainda virgem, com boa possibilidade de ser escalada. Inicialmente, faz-se um lance atlético, levemente negativo, para alcançar uma aresta com boas agarras. 10 metros acima, chega-se a um platô generoso, de onde sai uma canaleta convidativa, por onde prossegui. Aos poucos, fui ganhando terreno, alternando proteções móveis em friends diversos, com chapeletas rapeláveis. Por incrível que pareça, a linha não permitia muitas proteções naturais, o que me fez perder um precioso tempo (e energia por causa do peso carregado), colocando as chapeletas.

Pedro Bugim no início da conquista da "La Brasileña" (6° VIIa E2 D1 – Mista – 90m)
Pedro Bugim no início da conquista da "La Brasileña" (6° VIIa E2 D1 – Mista – 90m)

Após a canaleta, a via contorna um grande teto pela direita, seguindo em diagonal para a direita até chegar um uma aresta. Volta-se para a esquerda para chegar a uma das partes mais incríveis da via: um lance levemente negativo, protegido por friends médios, com agarras abauladas e entalamento de mãos. Passado este lance bastante complexo, chega-se à primeira parada da via, 60 metros acima da base.


Laura encontrou certa dificuldade de vencer os lances iniciais, o que me fez descer até próximo dela, para auxiliar nas partes mais complexas. Confesso que na minha concepção, o que mais mexeu com ela foi o efeito psicológico, pois a parede é realmente impressionante, com muita verticalidade, lances negativos, tetos, fendas, blocos soltos e muitas passadas em móvel. Tudo isso é bem característico de Arenales. Une-se a isso, o fato de estarmos em uma região isolada, a qual quase nenhum montanhista frequenta durante o inverno. Durante o período que estivemos por lá, não encontramos nenhum outro escalador.

Laura Petroni no rapel da “La Brasileña” (6° VIIa E2 D1 – Mista – 90m)
Laura Petroni no rapel da “La Brasileña” (6° VIIa E2 D1 – Mista – 90m)

Quando Laura chegou à parada, tentei ser o mais rápido possível nos procedimentos, pois o horário já estava avançado e ainda havia um pouco de parede para cima. Segui conquistando lances bem verticais, desta vez, em lances de micro agarras e aderência. Esta parte foi bem complexa, com lances de equilíbrio, delicados... eu vibrava a cada centímetro ganho! E 30 metros acima da P1, cheguei a um bom platô, onde estabeleci a P2 (segunda parada). Neste trecho da segunda enfiada se encontra uma sequência de lances de VIIa, sendo o crux da via, protegido em chapeletas. Ambas as paradas foram estabelecidas com chapas duplas.


A partir da segunda parada, a parede perde verticalidade, possuindo inclusive, ao lado esquerdo, o final da via “La Que No Era”. Decidi dar a via como encerrada e em poucos minutos, eu e Laura já nos encontrávamos na base. O retorno à barraca foi por volta das 18:30h (sim, o dia foi longo!), porém com o céu ainda claro, haja vista o dia escurecer por volta das 19:30h nesta época. Demos o nome da via de “La Brasileña” (6° VIIa E2 D1 – Mista – 90m).

Pedro Bugim na conquista da “El Invierno del Infierno” (Vsup E2 – Móvel – 60m)
Pedro Bugim na conquista da “El Invierno del Infierno” (Vsup E2 – Móvel – 60m)

No dia 26, voltamos à mesma parede, porém em um contraforte um pouco mais abaixo da via conquistada no dia anterior, contraforte este ainda sem uma única via. Nele, conquistamos duas vias divertidíssimas, completamente em móvel e com paradas duplas no topo, feitas em entalamento de mãos e pés na metade inferior e em agarras na metade superior. Foram elas: “Spinosaurio” (IVsup E2 – Móvel – 50m) e a “El Invierno del Infierno” (Vsup E2 – Móvel – 60m). Ambas são de fato muito interessantes e curtas (para os padrões locais), mas representam uma ótima opção de treinamento e/ou até mesmo acesso às vias mais acima, evitando a trilha completamente degradada e desgastante.



Após três conquistas, nos demos por satisfeitos, mesmo porque a opção de ir para a parte alta não era possível, o que nos fez decidir por explorar outras regiões. Assim sendo, pegamos o carro e fizemos um trajeto belíssimo, passando por Manzano Histórico (última cidade – minúscula, porém charmosa – antes de Arenales) e seguindo em direção ao nosso primeiro destino da viagem: Cordón del Plata! Sim, resolvemos passar uma noite por lá, mas sem subir nenhuma montanha. Queríamos ver se o acesso com carro alugado era tranquilo, para nossas possíveis futuras expedições. E valeu muito à pena! A vista estava espetacular, com o terreno totalmente nevado e uma noite impressionantemente estrelada.


Depois desta parada estratégica, já no dia 28, pegamos estrada em direção ao local mais procurado pelos montanhistas na Argentina: o Parque Provincial do Aconcágua. Desde Cordón del Plata, são cerca de 170Km, feitos em 3 horas, passando por estradas de todos os tipos, mas em geral, em bom estado e sempre com uma belíssima vista.

Anoitecer em Las Cuevas (3.600m)
Anoitecer em Las Cuevas (3.600m)

Chegamos ao nosso destino por volta das 15h e aproveitamos o resto do dia para passear pela entrada do parque, tirar umas fotos do Aconcágua e comer uma pizza. Por já ter ido ao Aconcágua no verão (em 2011), fiquei MUITO impressionado ao ver uma paisagem completamente diferente, por conta da enorme quantidade de neve e gelo na região. Da entrada do parque, é possível ter uma bela visão do cume das américas, que neste dia em especial, estava demasiado branco, desde a entrada da trilha até seu ponto culminante.

Prontos para dormir em Las Cuevas... no carro com nossas bagagens!
Prontos para dormir em Las Cuevas... no carro com nossas bagagens!

Com o entardecer, tratamos de buscar algum refúgio para passarmos a noite, em um lugar chamado “Las Cuevas”, pouco após a entrada do parque, estrada acima. Imaginem nossa surpresa ao descobrirmos que não havia um único estabelecimento funcionando no local, por conta da época! Ou seja, estávamos em uma região remota, gélida e sem abrigo. Pensamos em armar a barraca e dormir à beira da estrada, mas preferimos inovar e dormir no carro mesmo. Ótima escolha! Com os poderosos sacos de dormir que adquirimos recentemente, unidos ao conforto dos bancos reclináveis, tivemos uma deliciosa noite de sonhos com um teto estrelado acima de nós.


O dia começou cedo para nós. Fizemos algo para comer e assim que o sol despontou no horizonte, pegamos estrada em direção ao Chile. Saímos de Las Cuevas e passamos pelo túnel “Cristo Redentor de Los Andes”, o qual passa pelo “Paso Internacional Los Libertadores”, indicando a chegada em território chileno, em uma região conhecida como “Cancha Pelada”. Neste ponto, há uma infinidade de montanhas, cascatas de gelo e paredes rochosas, todas igualmente convidativas. Por estarem além dos limites do parque, nos era permitido realizar escaladas (como já dito, o parque fica terminantemente proibido durante o inverno).

Laura na porção inferior de neve, para acessar a base da via
Laura na porção inferior de neve, para acessar a base da via

Escolhemos uma desafiadora parede logo acima de um túnel abandonado chamado “Caracoles”. De início, uma rampa de gelo que ganha verticalidade conforme avançávamos no terreno, demandando o uso de crampons e piolets (ganchos para as botas e piquetas de gelo, respectivamente). Subimos em terreno de aproximadamente 55° de inclinação, estabelecendo a primeira parada em um grande platô de neve, já com 150 metros de via. A transição do gelo para a rocha foi, provavelmente, a parte mais complexa da escalada, pois fez-se necessário a escalada de um longo trecho vertical, iniciando em gelo instável com 70° de inclinação, evoluindo para rocha em lances de 5° grau, tudo isso ainda de crampons e protegendo algumas fendas com material móvel. Desde o platô de neve até a parede completamente em rocha, onde estabelecemos a segunda parada, foram 30 metros.

Pedro Bugim conquistando a terceira enfiada da “Caracoles” (4° V E4 D3 – 350m – Mista).
Pedro Bugim conquistando a terceira enfiada da “Caracoles” (4° V E4 D3 – 350m – Mista).

Deste ponto em diante, abandonamos os equipamentos de gelo, colocamos as sapatilhas e tocamos com todo cuidado do mundo por aquele terreno ainda inexplorado. A enfiada seguinte foi um luxo: fendas perfeitas, boas agarras e terreno com graduação tranquila (na casa do 4° grau). Em pouco tempo, a terceira parada estava estabelecida, 60 metros acima da anterior. Laura se juntou a mim com impressionante velocidade, com um sorriso de orelha a orelha, o que indicava sua satisfação no que estávamos fazendo.


A enfiada até a P4 foi um pouco mais fácil tecnicamente, porém, em terreno bem instável e com pouquíssimas opções de proteção, tornando aqueles 45 metros um tanto quanto temerosos. Logo após, um grande platô de cascalhos leva à parede final, com boa verticalidade, mas também com agarras e fendas generosas. 60 metros a mais e P5 estabelecida! Como sempre, Laura chegou “voando” neste ante cume. Deste ponto, havia ainda um pequeno trecho de gelo e neve, que fiz de sapatilha mesmo, além do trecho final em rocha, com lances fáceis de, no máximo, 3° grau, para atingir o cume, com 3.300m de altitude. Ufa! Mais uma via conquistada, desta vez, ao “ladinho” do Aconcágua, em um local mágico e com o gostinho de cume virgem! Apelidamos a via de “Caracoles” (4° V E4 D3 – 350m – Mista – Neve / Gelo de até 70°).

Laura Petroni na quarta enfiada da “Caracoles” (4° V E4 D3 – 350m – Mista).
Laura Petroni na quarta enfiada da “Caracoles” (4° V E4 D3 – 350m – Mista).

O rapel foi longo e cansativo, pois a corda fez o favor de prender na quinta enfiada, logo abaixo do cume, o que me fez subir novamente para desprende-la. O vento já estava intenso e não deixava a corda descer. Os blocos de rocha se soltavam em alguns pontos com o menor dos movimentos. Enfim, tivemos certo trabalho para voltar à segurança do carro, estacionado em um recuo à beira da estrada, às 18h. A melhor parte de tudo, foi encontrar a cerveja que deixamos no carro estupidamente gelada, para comemorarmos mais esta aventura!

Cume!!!
Cume!!!

Ainda tínhamos quatro dias de viagem pela frente, que reservamos solenemente para relaxar e curtir no bom e velho estilo “turistão”. Sim, houve momentos em que quase tiramos o material do bagageiro do carro para conquistar mais vias (hehehehe), mas nos rendemos aos prazeres mundanos, para fechar mais uma viagem com a sensação de dever cumprido (e comprido!).




Pedro e Laura ao final da conquista da “Caracoles” (4° V E4 D3 – 350m – Mista).
Pedro e Laura ao final da conquista da “Caracoles” (4° V E4 D3 – 350m – Mista).

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