A quarta, das sete vias conquistadas durante nossa viagem à pancas, foi a única que levou mais de um dia. Não pela sua extensão, que de fato, foi "generosa", mas sim, por um erro primário, que nos fez descer ainda aos 120 metros de parede, no primeiro dia...
Após em dia de "descanso", conquistando a primeira via do Campo Escola de Pancas, decidimos encarar uma parede mais extensa, em uma linha visualizada dias antes, na Pedra do Camelo. Esta montanha, junto com a Pedra da Boca, talvez sejam duas das mais conhecidas de Pancas, primeiro, porque possuem acesso ao cume por trilha, e, em segundo lugar, porque concentram uma quantidade razoável de vias, sendo parte delas bem acessível, com baixa graduação e proteções com distanciamento razoável entre si.
A Pedra do Camelo possui 720 metros de altitude, fica localizada no Sítio Cantinho do Céu e possui este nome devido à curiosa formação, que lembra as corcovas deste animal. Além destas características, pode-se destacar também, a grande quantidade de enormes canaletas em sua face norte, na qual estão dispostas as suas principais linhas de escalada.
Ocorre que uma destas caneletas, muito bem destacada, entre a crista oeste (por onde passa a fácil e exposta "Marimbondo") e a linha da clássica "Boas Vindas", permanecia intocada até então. Após consulta ao Fabinho, proprietário do sítio, tivemos certeza que esta seria a linha ideal para nossa próxima investida, apesar de possuir uma "barriga" bem aprumada e intimidadora em determinado ponto, após o final da canaleta principal.
Aproveitamos o sábado do dia 26 de setembro para fazermos uma investida, chegando à base relativamente tarde, por volta das 9:30h da manhã. Fomos até o sítio em companhia do amigo Redi Siqueira, que, mesmo sem escalar, carinhosamente foi à Pancas apenas para nos encontrar!
O acesso à base é muito simples, sendo feito em menos de 10 minutos. Abaixo, as coordenadas de acesso:
Começamos a subir por volta das 10h da manhã, quando o calor já estava absurdo (coisa normal em Pancas). A primeira enfiada segue por lances relativamente simples, com uma ou outra passada mais delicada, na casa do 4º grau, sempre dentro da canaleta. Já a segunda enfiada, começa em um "zigue zague" muito bonito, embora facílimo, evoluindo para lances bem verticais em sua segunda metade, sendo este, o primeiro crux da via, em 5º grau.
Logo após vencer este lance, estabeleci a P2, 120 metros acima da base. Neste momento, para ajustar a posição da chapeleta, dei uma pequena pancada lateral com a própria chave de boca (catraca), fazendo com que suas engrenagens se desintegrassem por completo! Até agora não compreendi como isso foi acontecer, mas fato é que, após muitas tetativas, não consegui consertar o dispositivo. Como era a única chave de boca que eu carregava, tivemos que dar os trabalhos por encerrados neste dia, com um mundo de parede ainda por conquistar.
Mas como diz o ditado, "há males que vem para o bem". No mesmo dia, conseguimos uma chave de boca emprestada com o Hiarley (proprietário da pousada "Recanto das Montanhas", onde estávamos hospedados) e, já no dia seguinte, domingo, retornarmos ao projeto. Desta vez, chegamos na base antes das 7h da manhã, ainda com uma boa sombra das montanhas do entorno. Em poucos minutos, eu e Laura já nos encontrávamos no ponto atingido no dia anterior, certamente, com muito mais energia, disposição e água, além do tempo estar bem mais ameno, pelo horário!
A terceira enfiada foi bem interessante, por contar com lances não muito complexos, mas bem constantes, de 4º grau, chegando pouco abaixo da temerosa barriga que víamos da base. Iniciei a quarta enfiada com total atenção e escolhendo o traçado de forma cautelosa. Entretanto, ao chegar no ponto que parecia ser especialmente trabalhoso, descobri que, apesar da grande verticalidade, enormes buracos e agarras são encontrados, possibilitando a transposição do lance de forma relativamente simples, e, principalmente, muito bonita! Com o segundo crux da via vencido, estabeleci a P4 e chamei a Laura, que veio de forma bem rápida. Estávamos mesmo bem empolgados e ter voltado mais cedo nos deu uma sobrevida interessante.
Deste ponto em diante, a parede perde verticalidade consideravelmente, seguindo até o cume em lances majoritariamente de 2º e 3º grau, com uma ou outra rara passada mais técnica. Aos poucos, fomos estabelecendo a P5... P6.... P7.... e nada da parede acabar! A cada metro que subíamos, tínhamos a impressão do cume manter-se à mesma distância que na enfiada anterior. Realmente, as paredes de Pancas são imensas e só se percebe isso ao entrar nelas.
Pelo lado positivo, os lances eram bem fáceis, permitindo com que eu esticasse a corda inteira, por vezes sem bater nenhuma proteção intermediária, ganhando um tempo valioso na subida. Obviamente, na descida, tive a cautela de intermediar generosamente os lances mais expostos, deixando a via com proteções, no mínimo, a cada 15 metros, exceto em dois pontos, nos quais as proteções possuem 30 metros de distância, por tratar-se de um costão feito praticamente caminhando. O principal ponto de atenção nestas partes, fica por conta das inúmeras pedras soltas ao longo dos costões, que podem representar perigo, caso sejam deslocados e despenquem montanha abaixo. Durante a conquista, tentamos ir "limpando" a trajetória da via, mas certamente, ainda existem alguns blocos que requerem cuidado.
Após apenas 4 horas e meia, às 11:20h, lá estávamos eu e Laura, no topo da Pedra do Camelo, com mais uma bonita conquista, totalizando 570 metros de parede, com 55 chapeletas (todas do modelo PinGo, rapeláveis), sendo as suas paradas (de 60 em 60 metros) duplicadas. O rapel é possível com uma única corda, desde que os rapeis intermediários sejam feitos em chapas únicas. O final da via segue paralelamente, entre as vizinhas "Marimbondo" e "Boas Vindas", tendo sua parada dupla final próxima às paradas finais de ambas, já no costão do cume.
Iniciamos o interminável rapel das 10 enfiadas por volta das 11:40h e, às 13:15h, estávamos de volta à base. Com o forte calor que fazia, unido ao grande cansaço, nosso prazer em tomar nossas cervejas geladíssimas, estrategicamente deixadas em um isopor com gelo no carro, foi multiplicado por mil! Ainda tivemos bons momentos de conversa com o Fabinho e Alex, antes de retornar à pousada, para um merecido descanso.
Batizamos a nova linha de "Canaleta Carioca" (D3 3º V E2/E3 - 570m), sendo esta, atualmente, a linha mais extensa da parede, embora não possua grandes complexidades. Por possuir proteções relativamente próximas, poucos lances complexos, fácil acesso à base, ter uma vista espetacular e estar em uma parte incrível de Pancas (o sítio Cantinho do Céu), trata-se de uma via largamente recomendada na região!
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