No dia 18 de junho de 2024, a Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro (Feemerj) foi contatada pela Tatiana Ribeiro, gestora do Monumento Natural do Arquipélago das Ilhas Cagarras (MONA Cagarras), em consulta sobre a possibilidade de apoio técnico e operacional para a retirada de um balão que caíra nas encostas rochosas da face noroeste da Ilha Redonda, sendo esta a ilha desta Unidade de Conservação mais alta e distante da costa, onde se encontra um dos maiores ninhais de fragatas e atobás do Atlântico Sul. Prontamente foi disponibilizada a ajuda, para que, em parceria, o problema fosse sanado.
No dia seguinte, em 19 de junho, realizamos uma reunião online, na qual estavam presentes: eu - Pedro Bugim (presidente da Feemerj), Tatiana Ribeiro (Gestora do MONA Cagarras), Larissa Cunha (bióloga) e Catia Valdman (representante da Feemerj no conselho consultivo do MONA Cagarras), com o propósito de traçar as melhores estratégias para a retirada do balão, bem como identificar os riscos envolvidos.
A maior problemática identificada foi a época do ano, ápice do período reprodutivo das aves, na qual mesmo a menor interferência humana pode ocasionar diversas perdas de ninhos, ovos e indivíduos. Portanto, houve consenso de que as vias de acesso e escape a serem utilizadas deveriam passar pelos pontos com menor incidência de ninhais, bem como em algum caminho já bem estabelecido. Deste modo, optou-se pelo uso do costão de acesso da face oeste, pelo qual a subida passa majoritariamente por costões rochosos, chegando próximo ao cume em áreas com vegetação mais alta.
A opção de realizar a retirada do balão mesmo durante este período e, de certa forma, com a maior urgência possível, se deu pelo alto risco (identificado através de experiências próprias e por diversas consultas externas) de “baloeiros” tentarem recuperar o artefato, sem os devidos cuidados, podendo aumentar exponencialmente o impacto ambiental. Outros riscos envolvidos na permanência do balão seriam a poluição propriamente dita, caso o balão voasse para outras partes, o dano às aves devido aos fios de naylon e sisal e a possibilidade de ingestão de partes plásticas pelas aves, além do risco de ignição espontânea (embora este último tenha sido considerado bem pequeno). Com isso, foi definida a data de 24 de junho de 2024, uma segunda-feira, para que o trabalho fosse realizado.
No referido dia, o encontro foi realizado às 6h da manhã, no cais em frente ao Bar Urca, no bairro homônimo, local no qual embarcamos na lancha “Jequitibá”, sob os cuidados do Cmte. Sérgio. A embarcação foi providencialmente cedida pelo MONA Cagarras, para os cinco tripulantes: eu e Larissa (já mencionados), além do Flávio “Bagre” Carneiro (escalador e especialista nas Ilhas do MONA Cagarras), Carlos Renato (ATA da Gerencia Regional - GR4 do ICMBio, que ficou de apoio na operação) e Leonardo Lima (também membro do ICMBio e piloto do drone). Infelizmente, tivemos o desfalque da Catia, que havia se acidentado durante o final de semana e não pode nos acompanhar.
Com o dia limpo e o mar em ótimas condições, a viagem à Ilha Redonda levou pouco mais de uma hora, chegando ao nosso destino às 07h15 da manhã. Após algumas avaliações da face noroeste, na qual o balão se encontrava, rumamos para a face oeste, local do costão pelo qual fizemos o acesso à ilha. Com o desfalque da Catia, ofertamos a vaga de apoio ao Carlos que, muito solícito, aceitou de imediato.
O desembarque foi feito de forma rápida, porém com o máximo de cautela, haja vista a necessidade de nadar desde o barco até a ilha, fixar as cordas em pontos estratégicos e rebocar todo o pesado equipamento que seria utilizado. Todo este processo levou cerca de 30 minutos, sendo iniciada a ascensão à parte superior da ilha às 07h50.
A subida é íngreme, com diversos trechos em costões rochosos mais verticais, possuindo um ponto específico com cerca de 90 metros, no qual utilizamos cordas para auxiliar a subida com todo o equipamento. Neste ponto específico, existem duas proteções fixas (grampos de ½ polegada em aço carbono 1020) em pontos distintos, sendo a primeira delas duplicada neste dia, com o uso de uma chapeleta PinGo em aço inox 316L.
Após alcançarmos a borda superior da cumeeira, seguimos em diagonal, contornando até a face noroeste, buscando a posição superior ao local no qual o balão se alojara. Desde a base até este ponto, o cuidado foi redobrado, optando (sempre que possível) por costões rochosos ou trilhas insipientes, com a menor concentração de aves, ninhos e ovos. Para a nossa surpresa, foi possível atingir o local desejado sem termos a necessidade de passarmos por cima de nenhum ninho aparentemente ativo. Todo o trajeto, desde a subida na ilha até a área acima do balão possui pouco menos de 600m.
Cabe ressaltar que ao longo do trajeto, além das maravilhas naturais, tais quais a belíssima vista, as milhares de aves, as relíquias arqueológicas e até mesmo dezenas de baleias jubarte, foi notada uma significativa quantidade de lixo, provavelmente trazida pelas aves, na forma de diferentes e aleatórios itens, como por exemplo: iscas artificiais de pescaria, isqueiros, frascos de remédio, desodorante etc. Além disso, percebeu-se que a área adotada como “acampamento” para os pesquisadores estava repleta de ferramentas velhas, já inutilizadas, como pás, escovas, cavadeiras articuladas e baldes.
Por volta das 9h15, o ponto superior ao balão foi acessado, no qual posicionamos duas chapeletas removíveis do modelo “Pulse”, da Petzl, já que este equipamento específico permite uma proteção segura, embora possa ser retirado após o uso, sem deixar nenhuma proteção fixa desnecessária na rocha. Após o procedimento, armamos uma parada equalizada, fixamos duas cordas de 60m e, eu e Bagre, descemos até o balão.
À primeira vista, a parte superior do balão estava em uma área rochosa, se movendo levemente por causa do vento. Mantinha-se no lugar, pois a boca do balão, onde se localiza o queimador, estava bem presa a um platô com vegetação à esquerda. Além do espanto pelo tamanho da parte superior do balão, nos impactamos com o nível de detalhamento da construção de sua boca, em estrutura de alumínio, com diversas partes interligadas por parafusos e até mesmo “mini” mosquetões de aço, fazendo a ligação da estrutura com as linhas de naylon e sisal da parte inferior (cangalha).
Inicialmente recortamos a parte superior do balão com a ajuda de um facão e dois canivetes, utilizando também um alicate de corte para a retirada das armações em arame de aço carbono. Toda esta estrutura foi devidamente alocada em quatro grades “eco-bags” (tipo de supermercado), levados estrategicamente para este fim, sendo providencialmente içadas pelo Carlos, que se manteve no topo da parede, justamente para este tipo de apoio. Para esta operação, utilizamos uma corda secundária (estática) de 30 metros.
Findado o trabalho da parte superior, voltamos os esforços para a boca do balão, desconectando-a de toda a fiação da cangalha e retirando o resto dos arames. Feito isso, houve um novo trabalho para içar a estrutura ao topo.
Na sequência, deu-se início à parte mais trabalhosa da operação, visando a retirada da cangalha (parte inferior do balão), que contava com uma estrutura bastante complexa, feita em linhas de naylon, cordeletes de sisal, dezenas de metros de bambus entrelaçados e centenas de “copos” (suporte para velas). A maior problemática, além do tamanho assustador e complexidade desta estrutura, foi o fato de estar posicionada horizontalmente para a esquerda, desde o ponto em que acessamos o balão. Isso nos fez realizar uma proteção intermediária em uma forte árvore do platô, além de posicionarmos mais uma única chapeleta removível, mitigando quedas mais longas e perigosas.
Conforme dito, esta estrutura possuía uma enorme complexidade, tomando bastante tempo e esforço para que fosse recuperada, desmantelada e preparada para o transporte ilha acima. Para tal, juntamos o máximo possível da estrutura em um platô, de onde retiramos todas as amarrações, fitas hellermann (abraçadeira de naylon), copos, velas, arames, fitas e cordeletes, deixando as estruturas de bambu limpas. Por tratar-se de muitos metros de bambu e pelo fato de estarem tratados, sem risco de germinação, decidimos por não transportá-los de volta, mantendo-os o mais escondidos quanto possível, em um platô com vegetação, no qual não detectamos nenhum ninho ou presença de aves. Todo o lixo desta etapa foi colocado em um haul bag (mochila grande utilizada para carga de equipamentos na escalada), para que facilitasse o içamento e a posterior descida da ilha.
Finalmente, após a remoção das estruturas mais pesadas e volumosas, fizemos a retirada completa dos fios de naylon e sisal, entrelaçados na vegetação do enorme platô. Contudo, em ligação com a equipe do barco, soubemos que uma parte da cangalha permanecia na parede, vários metros abaixo e à esquerda, após uma barriga na parede que impedia a sua visão, do ponto em que estávamos. Com o avançar da hora, unido ao fato de já estarmos no limite das cordas levadas (sem uma outra corda para abranger os metros faltantes) e da necessidade de aumentar a horizontal (em consequência, os riscos), optamos por manter esta pequena parte da estrutura no local, já que não representaria os mesmos riscos do balão como um todo. Deste modo, uma nova incursão será devidamente agendada, entretanto, fora do período crítico de reprodução da avifauna e com uma estratégia diferente, para acessar este ponto específico.
O retorno ao topo da parede foi feito às 11h20. Organizamos todo o equipamento, acondicionamos os vários materiais do balão da melhor forma possível nas eco-bags e mochilas, fizemos uma breve pausa para hidratação e alimentação e começamos o trajeto de retorno às 11h50.
A descida foi feita sem grandes contratempos, com algumas poucas paradas para fazermos fotos e vídeos, além de estudarmos o melhor trajeto, já que agora estávamos carregados não apenas de equipamentos, mas também de todo o material retirado do balão. Às 12h50 estávamos de volta no ponto de embarque / desembarque da ilha, fazendo toda a tramitação de retorno à lancha, içando os equipamentos e lixo abordo.
Retornamos para a Urca, chegando ao final da expedição às 14h50, ficando todo o material coletado com o ICMBio, para posterior análise.
Observações:
1) Foi nítida a necessidade de evitar o acesso à ilha no período reprodutivo, devido ao enorme número de ninhais e ovos vistos ao longo do caminho, sobretudo por pessoas que não possuam conhecimento prévio do local;
2) Curiosamente, os platôs no meio da face rochosa vertical apresentavam uma quantidade muito inferior de aves e ninhos, do que nas vegetações da base, cume e costões com pouca inclinação;
3) A retirada do resto do balão (ponta final da cangalha) demandará uma nova incursão. Recomenda-se que esta seja feita fora do período de reprodução das aves, no final de setembro, ou, preferencialmente, em outubro;
4) Para a nova incursão, o acesso à cangalha deverá ser feito por outro ponto: se por cima, indo mais à esquerda do local de ancoragem utilizado nesta ação; se por baixo, em linha direta à direção do material;
5) Estimamos e extensão completa do balão em aproximadamente 60 metros, desde a ponta inicial da cangalha, até o ponto superior (considerando inflado);
6) O acesso à Ilha Redonda é estritamente restrito a pesquisadores e escaladores, na época fora do período de reprodução das aves (entre outubro e maio). Entre em contato com o MONA antes de qualquer intenção de acesso.
Agradecimentos a toda a equipe que participou da ação e ao MONA Cagarras, na figura da Tatiana, por todo o carinho e dedicação para com a Unidade de Conservação.
Parabéns ao time, belo trabalho!!!!🛠️ As aves agradecem🎉
Excelente trabalho, feito com cuidado e profissionalismo. Parabéns aos idealizadores e executores!